quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Conflitos e Responsabilidades

Observando os cães de minha matilha particular noto coisas incríveis. Houve uma luta entre os dois machos mais fortes; A. e B. . O motivo não sei ao certo, algum cheiro de carne sendo assada, talvez. Notei que um foi ao pescoço do outro e travados foram tentando uma melhor posição que os permitisse sacudir para rasgar o couro do outro. E rolaram morro abaixo uns seis metros de ladeira no meio do mato. Os demais foram até lá e escolheram seu lado. Era uma votação através de mordidas. A. tomou mais mordidas e assim soltou o pescoço de B. e saiu correndo e ganindo.
Assim acabou a luta. B venceu. Fui olhar os dois para ver se havia algum ferimento mais grave: apenas feridas leves no couro.
Após o ocorrido A. submeteu se ao domínio de B. - A. se aproxima, B. baixa o olhar. Não há mais conflito. Perder não gera rancor. Vencer não gera orgulho. A. agora é o Macho Alfa; vantagens de escolher as fêmeas com as quais vai cruzar, comer o primeiro prato de comida, ser defendido por toda a matilha. Porém muitas responsabilidades: procurar outros campos de caça, o que no modo civilizado significa fugir loucamente sempre que houver oportunidade, nunca pelo portão, nunca quando eu estiver vendo... Além disso deixar os filhotes se alimentarem junto com ele, deixar os filhotes exercitarem seus dentes em suas orelhas e rabo, curar-lhes os umbigos com lambidas. Estimular-lhes a urinar e defecar pressionando suas barrigas com o focinho. É o trocar de fraldas dos cães. Nojento de se ver, mas com o significado de não deixar rastros, manter limpa a toca, secos os filhotes.
Dizem que um cão não defeca onde come. Na verdade ele vai preferir não comer onde defeca e como ele não pode escolher onde vai ficar o prato de comida acaba tendo de escolher outro lugar para banheiro.
Vende os olhos, apague as luzes...Você vai diferenciar o cheiro de um quarto do cheiro de um banheiro. Vai diferenciar o cheiro de uma cozinha ou de uma sala cheia de tapetes e mobília antiga.
Traçando um paralelo para nós humanos percebo que o orgulho, a vaidade e o rancor nos distanciam uns dos outros e assim dos problemas dos outros. Nos fechamos em nossos pequenos mundos e nos cobrimos de alegria comprável, volátil, vazia. Que bom seria o derrotado admirar e servir quem o derrotou. E o vitorioso poder não desconfiar do derrotado, para juntos lutarem por algo maior. E como as grandes tragédias unem os homens! Que bom seria se as crianças e os animais de rua fossem responsabilidade de todos. E são! Mas a responsabilidade começa em quem viu o problema primeiro, e esse muitas vezes é você, tão ocupado, tão apressado, indo para mais uma reunião, um exame médico, indo pra sua casa.
O líder deveria ser, no nosso caso, não o mais forte fisicamente, mas mentalmente, não somente pelos seus títulos que comprovariam sua aptidão para tantas responsabilidades, mas pela capacidade de enfrentar as opiniões erradas, convencer e unir a opinião coletiva. Observo claramente que se as responsabilidades aumentam, a ganância, a vaidade e o consumo deveriam diminuir. Preocupar-se verdadeiramente com o próximo, lhe tiraria todo o tempo para estas coisas banais, como comprar um carro melhor ou uma casa maior, fazer uma cirurgia estética, comprar ternos importados, gastar dinheiro com prazer enquanto um desconhecido morre na fila de um hospital... O verdadeiro líder estará sempre preocupado e quase sempre ocupado com assuntos importantes, com vidas.